Com agricultores planejando a safra de inverno no Brasil, surge uma forte expectativa de avanço no plantio de trigo em 2021 diante dos elevados preços do cereal, que subiram mais que os custos de produção, conforme analistas e representantes do setor.
Para o presidente da Federação das Cooperativas Agropecuárias do Estado do Rio Grande do Sul (FecoAgro/RS), Paulo Pires, a semeadura no Estado deve crescer 10%, aproximando-se da área plantada no Paraná, líder no cereal no país –juntos, os dois Estados respondem por 85% da safra nacional.
“Desde 2014 nós não ultrapassávamos 1 milhão de hectares semeados, e neste ano vamos chegar a pelo menos 1,040 milhão. Os bons preços são incentivadores”, afirmou.
Ele disse que há uma perspectiva de rentabilidade mesmo diante de um cenário de custos 21,77% mais elevados no Estado.
O primeiro levantamento sobre custos de produção para o trigo de 2021 realizado pela federação mostrou que, para cobrir gastos como aquisição de insumos, manutenção de máquinas e equipamentos, combustíveis, entre outros, será necessário desembolsar 3.997,10 de reais para cada hectare produzido.
Em contrapartida, dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) mostram que o preço médio do trigo para o Rio Grande do Sul disparou quase 70% no comparativo anual, de 866,25 reais por tonelada para 1.465,02 reais no fechamento desta segunda-feira.
O gerente de consultoria agro do Itaú BBA, Guilherme Bellotti de Melo, notou que os bons preços do trigo são um incentivo a mais para os produtores gaúchos, que deverão ser estimulados também por uma grande colheita de soja, antes da semeadura do cereal.
“Combinada a soja com esses bons preços, isso pode recuperar um pouco a saúde financeira desse produtor, que no ano passado sofreu com a soja e depois no trigo”, disse.
Em uma perspectiva ainda mais otimista para o Rio Grande do Sul, o consultor em gerenciamento de riscos da StoneX Roberto Sandoli afirmou que há relatos de aumento de até 30% na área de trigo prevista para esta safra de inverno.
PARANÁ
No Paraná, maior produtor do cereal no Brasil, as projeções não estão tão claras, pois ainda dependem dos desdobramentos da semeadura da segunda safra de milho, grão que concorre com o trigo em algumas regiões do Estado.
“A projeção deve sair no fim de março, estamos receosos, mas mesmo que parte do trigo seja substituída por milho safrinha, podemos dizer que a área tende a superar o total de 1,1 milhão de hectares que foram plantados com trigo no ano passado”, estimou à Reuters o analista do Departamento de Economia Rural (Deral) Carlos Hugo Godinho.
Ele também acredita que os custos com sementes, fertilizantes e agroquímicos estarão maiores em função do aumento na procura, influência das cotações do câmbio e do petróleo, mas o incremento nas despesas não será proporcional à elevação no preço do trigo, em torno de 50%.
De acordo com o Cepea, o cereal encerrou a segunda-feira cotado em 1.496,38 reais por tonelada no Paraná, ante 985,49 reais registrados no mesmo período do ano anterior.
“O principal ‘driver’ para plantio é o aumento das margens da própria cultura… Além disso, o que pode contribuir para aumento maior de área no Paraná são produtores que vão plantar mais tardiamente e perderiam a janela do milho, migrando para o trigo”, disse o gerente do Itaú BBA.
Segundo ele, considerando que o Brasil é importador do cereal, os preços estão elevados em função do câmbio, restrições ou preocupações de oferta em grandes produtores como Estados Unidos, Rússia e Ucrânia que afetam as cotações internacionais e impulsionam os valores também da Argentina, principal fornecedor da indústria brasileira.
PRESSÃO NOS MOINHOS
O resultado da disparada nos preços é um aumento na pressão sobre as margens dos moinhos, visto que há dificuldade de repasse de custos para a farinha devido ao recuo no poder de compra da população após o fim do auxílio emergencial.
“Para os moinhos, este ano vai ser difícil também, como foi o ano passado. É possível que se atenue um pouco se os preços caírem, mas não vão cair porque na Argentina a situação está apertada”, disse o presidente da Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo), Rubens Barbosa.
Ele acredita que o preço do cereal vai continuar alto e afirmou que o pouco que os moinhos estão conseguindo repassar de custos não tem sido suficiente para melhorar as margens. Ainda que o auxílio emergencial volte, não seria uma medida de efeito direto sobre a indústria.
Sobre a possibilidade de pedir uma cota adicional para compra do produto de fora do Mercosul sem a tarifa TEC, Barbosa disse que o setor vai aguardar até meados de maio ou junho e, se houver necessidade, a associação vai solicitar ao governo.
Fonte: Reuters